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“Sem o movimento cultural teria sido insuportável aguentar aqueles 21 anos”

No mês de março o PlanetaOsasco vai trazer vários textos sobre o Golpe Militar de 1964, para contar um pouco da nossa recente história, que se repete – de forma tortuosa hoje –  através do governo Temer.  Vamos chamar essa seleção de textos de: Anos de Chumbo

 

“Sem o movimento cultural teria sido insuportável aguentar aqueles 21 anos”

Texto de Risomar Fassanaro

Sempre que se fala da ditadura no Brasil, o que vem à memória é o lado trágico, o sofrimento dos que lutaram contra ela. Mas a luta contra a Ditadura  teve, por mais incrível que isso possa parecer, um lado feliz. No Brasil, e por extensão, em Osasco, esse lado feliz se deveu à cultura e à arte. Para cada torturador, cada verdugo, havia uma canção, um artista mostrando sua arte, uma peça de teatro denunciando o que vivíamos. Ouso dizer que sem o movimento cultural intenso teria sido insuportável aguentar aqueles 21 anos. O que seria de nós sem os festivais da Record que revelou tantos compositores?

Quem teve o privilégio de ver em um mesmo palco Chico Buarque, Caetano, Gil, Bethânia, Gal, Vandré, Sérgio Ricardo, Tom Jobim, Elis Regina, Os Mutantes? Aqueles festivais nos tiravam da tristeza nossa de cada dia, para nos levar a vibrar e a torcer pelas músicas preferidas. Na TV Record, o público torcia por seus artistas, como se torce por um time de futebol. É impossível se esquecer de Vandré cantando “Pra não dizer que não falei de flores”, sob os aplausos de um auditório em verdadeiro delírio, “lavando a alma”, e cantando junto num total desafio à ditadura, com seus versos provocadores. Como apagar da memória, Elis Regina agitando os braços, interpretando “Arrastão”? De Cynara e Cybele defendendo a belíssima canção do exílio “Sabiá” de Chico Buarque e Tom Jobim, vencedora do festival de 1968? Como se esquecer das vaias e do discurso inflamado de Caetano Veloso no Tuca, verdadeiro desafio à juventude que ali se encontrava? Suas palavras ressoam, e é como se o visse e o ouvisse agora: “ é essa a juventude que quer governar o país?” O teatro também acompanhou esse clima de revolução cultural. Lembro-me de peças como “A Queda da Bastilha”, “Fala alto, senão eu grito”, “O Verdugo” e tantas outras, que é impossível enumerar aqui…

Em Osasco, a prefeitura sob o governo de Guaçu Piteri, organizou a “Festa da Música” que revelou vários compositores e cantores. Entre eles destacamos Afrânio Moura Leite,vencedor da 1ª Festa, com “Paula, pálida pequena”, Eduardo Rodrigues, Marson de Souza, Cezar Salvi, Ricardo Porciúncula, Álvaro Rodrigues, Homero Ricardo, Ricardo Dias e Rubem Pignatari entre outros. Houve quatro festivais ao todo, promovidos pela prefeitura, e a partir do segundo também participei como letrista e ganhei alguns prêmios.

“Esses festivais aconteciam no Teatro Misericórdia, e ficava tão lotado, que parte do público não conseguia entrar ”.

Esses festivais aconteciam no Teatro Misericórdia, e ficava tão lotado, que parte do público não conseguia entrar. A partir de 1973 o FICAN- festival intercolegial da canção substituiu a Festa da Música. Esse festival era uma promoção do Colégio Estadual Heliosa Assumpção “Quitaúna”; reunia alunos de todas as escolas de Osasco e alcançou sucesso semelhante à Festa da Música. Também o teatro teve papel importante em Osasco, naquele período. Grupos teatrais também se reuniam nas igrejas católicas, e como não poderia deixar de ser, a situação do país estava presente nos palcos. Vale destacar a peça “Rede, seca e fome”, de Rubem Pignatari. O grupo fez grande sucesso em Osasco, por isso resolveu se apresentar em uma cidade mineira.

A mulher do coronel Lipiane, comandante de um dos quartéis de Quitaúna, se encontrava na cidade, e quando soube que um grupo de Osasco se apresentaria ficou eufórica. Convidou as amigas para irem assistir. Para sua decepção a peça criticava as desigualdades sociais, e propunha uma sociedade igualitária. Não conseguindo se conter, em altos brados ela interrompeu a apresentação, chamando os atores de mentirosos, e dito isso dirigiu-se ao primeiro telefone que encontrou e ligou para o marido. Resumindo: o ônibus com todo o elenco da peça foi detido e levado a Osasco sob a “proteção” da polícia até o quartel, onde todos prestaram depoimento.

Paralelamente, a ditadura corria solta prendendo, torturando e muitas vezes assassinando os que a ela se opunham. Muitos foram banidos do país, muitos se exilaram e cansados de tudo isso, aquelas pessoas que desde o início se opunham ao governo ditatorial, começaram a organizar um movimento pela anistia. A Anistia ampla, geral e irrestrita tomou conta do país. Foi um movimento forte com comitês em todos os estados, mas só em 1979 é que foi aprovada. Algum tempo depois pudemos eleger um presidente. Mas é preciso dizer: minha geração perdeu os melhores anos de vida sob o regime do medo.

 

Risomar Fassanaro é poetisa, escritora, pintora diletante (como ela mesma gosta de dizer) e professora aposentada. Nasceu em Pernambuco e vive em Osasco desde o final da década de 1980. Três de seus livros são: “Eu: primeira pessoa do singular”, “ O Reencontro” e  ”Recinfância e Outros poemas”.

 

Imagens;

http://passapalavra.info/2009/11/14529/mario-pedrosa-3

Brasil anos 60 e 70

 http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/88/uma-noite-em-1968-808.html                                   

 https://guacu.wordpress.com/2009/11/28/homenagem-a-um-grande-musico/

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