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O que a faculdade não me ensinou… – Por Ana Polo

Nós passamos quatro anos estudando apenas aquilo. Fizemos leituras teóricas acompanhados de um bom dicionário ou de lenços de papel. Durante esse período, nossos finais de semana foram reduzidos a fichamentos e análises contextualizadas, que nos renderam dores no pulso e enxaquecas. Participamos de pesquisas e escrevemos artigos apresentando os resultados alcançados. Esquentamos marmita no refeitório, pegamos metrôs e ônibus lotados, perdemos a carteirinha, esquecemos de devolver aquele livro para a biblioteca. Planejamos aulas e aplicamos com os nossos colegas ou alunos que integraram o nosso estágio.

A cada semestre, avaliações cobravam teorias que demorávamos a fixar, ou no meu caso, apreender. A cada semestre, ficávamos mais ansiosos para concluir e mais temerosos pelo trabalho de conclusão de curso e o mercado de trabalho. Diversas vezes pensamos em desistir. Uma vez por dia, para ser mais exata. Contudo, o amor pela profissão e pelo aprendizado adquirido naquele ambiente, mantém nossos pés firmes na sala de aula, nosso caminho de todos os dias para a universidade. 

Tudo isso passamos em quatro anos.  Todos os anseios, inseguranças, frustrações, mas também toda a satisfação, a realização de um sonho e o aprendizado. Aliás, as vidas profissionais e pessoais se entrelaçam nesse período. Não sabemos mais administrar as amizades com a mesma aptidão da adolescência. E assim, alguns amigos vão ficando pelo caminho, permanecendo apenas a lembrança dos momentos bons que foram vividos. 

Essa trajetória me enche de orgulho, mas também me espanta. Quando paro para refletir que tenho apenas vinte e três anos e que já sou graduada, sinto um peso enorme em meus ombros. Parece que foi ontem que me formei, que estava estudando Vygotsky, Saussure, Skinner, Bosi, Cunha, Koch, Bagno. Linguística 1, 2, Literatura Portuguesa, Brasileira. Literaturas de língua inglesa. Parece que foi ontem que ouvi pela primeira vez o termo “preconceito linguístico” e que me senti como Drummond – enquanto a professora falava sobre variações, ela desmatava a Amazonas de minha ignorância. 

 

Perco a noção da hora quando penso em tudo isso.

Perco a noção da hora quando penso em tudo isso. E em meus devaneios, quando olho para onde estou agora, concluo que a faculdade me ensinou muito, mas não me ensinou tudo. A faculdade me ensinou a corrigir uama produção textual, priorizando sempre os aspectos relacionas à coesão e à coerência, mas não me ensinou a entregar a redação corrigida repleta de anotações, para aquele aluno que se sente inseguro ao escrever.

A faculdade me ensinou a preparar uma aula, pensando em metodologias, contexto sociocultural do aluno, além dos exercícios de fixação se o assunto for morfossintaxe, mas não me ensinou a ter jogo de cintura quando as coisas não saem conforme o planejado. A faculdade me ensinou a analisar uma obra literária, partindo sempre do contexto sócio-histórico-cultural em questão, enfatizando que estudar literatura é também estudar o Homem e sua relação com o mundo, mas não me ensinou a superar a resistência dos alunos quando pedimos que eles leiam Machado, Guimarães, Eça. 

 

Essas vivências somente são adquiridas quando saímos da faculdade, quando enfrentamos a realidade das escolas, da Educação de nosso país, mas principalmente, quando entendemos que trabalhamos diariamente com formação de pessoas. Outra expressão que me assusta. Como posso formar alguém? O que devo fazer quando um aluno se revolta por conta da nota? O que devo fazer quando um aluno virar a cara para mim, porque não arredondei sua média? Como me portar em situações como essas, como mostrar ao meu aluno que quero contribuir com a sua formação e não deixá-lo inseguro, como eu fui um dia? Como posso explicar que não estou contra ele, mas que quero caminhar do lado dele, oferecendo o que há de melhor em mim? 

 

Todas as perguntas convivem diariamente comigo. Elas me acompanham na escola, me visitam quando deito em minha cama, me assustam quando passo por situações que ainda não vivenciei. Algum dia, tudo isso será experiência e poderei acalmar colegas recém-formados em licenciatura, caso isso aconteça com eles. Por enquanto, sigo aprendendo todos os dias o que a faculdade não me ensinou.

 

ANA POLO, professora de Português no COC de Osasco, recém-formada. Atuou como correspondente em Vancouver no Canadá, para o Planeta Osasco no início do ano de 2017. 

IMG publicada no site http://www.annavlis.com.br/2017/06/ Autor da foto desconhecido.

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