Rio deve pagar pensão a parentes de mortos em queda de prédio em 2012
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro anunciou hoje (5) ter obtido uma decisão parcialmente favorável em ação onde cobra o pagamento de pensões aos familiares dos mortos no desabamento do Edifício Liberdade, no centro da capital fluminense. O município foi condenado a arcar com os valores, que ainda precisarão ser apurados a partir da individualização de cada caso.
A sentença abrange os parentes que eram dependentes econômicos das vítimas. Ainda cabe recurso. Caso a decisão se mantenha, os interessados deverão solicitar a habilitação nos autos após o trânsito em julgado.
A queda do prédio, que tinha 20 andares, ocorreu em 25 de janeiro de 2012. O colapso também levou ao chão outros dois imóveis: o Edifício Treze de Maio, com quatro andares, e o Edifício Colombo, com 10 andares. Passados nove anos, ninguém foi responsabilizado na esfera criminal. No episódio, 22 pessoas perderam suas vidas, sendo que cinco nunca tiveram seus corpos encontrados. Seus parentes precisaram solicitar na Justiça a declaração de morte presumida.
A decisão que fixou o direito à pensão foi assinada na semana passada pela juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro Mirela Erbisti. Ela considerou que houve responsabilidade civil do município. “Sua inércia de setenta anos foi sem sombra de dúvidas, a causa de uma tragédia facilmente evitável por meio do adequado exercício da polícia administrativa. No entanto, ante ao não atuar do poder público, que permitiu com que a obra que culminou no excesso de carga do edifício e a complementação de um recuo do edifício jamais fosse embargada, demolida ou sujeita a reforço estrutural”, escreveu.
O Edifício Liberdade foi construído em 1938, mas passou por modificações ao longo do tempo. Um perito judicial foi nomeado para apontar as causas do colapso. O relatório listou quatro fatores determinantes que levaram ao agravamento no desequilíbrio do prédio: acréscimos excessivos de carga, um incêndio no 10º andar, o recalque diferencial e o carregamento de longa duração sobre os elementos estruturais já edificados.
A perícia apontou que, apesar de ter sido autorizada a construção de 18 andares e um terraço, o Edifício Liberdade dispunha de ao menos 20 pavimentos. Além disso, na década de 1950, os últimos pavimentos que possuíam uma área menor foram ampliados e alinhados à estrutura do prédio. Outro problema teria sido a inclinação para o lado direito na década de 1970, como resultado de obras subterrâneas na região para construção do metrô.
Segundo Erbisti, desde as intervenções ilegais até o desabamento do edifício, foram décadas de omissão do município, que não determinou a demolição dos acréscimos construídos sem autorização e nem tomou outras medidas capazes de evitar a tragédia. Um total de 364,02 metros quadrados não previstos na construção inicial teriam sido mantidos sobre o topo do edifício sem que nenhum cálculo de engenharia garantisse a sustentação do prédio.
“Nem se diga que o município não tivesse conhecimento da obra, visto que é seu dever fiscalizar a regularidade das edificações em seu território e, inclusive, é de sua competência a cobrança de IPTU [Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana], que considera a área como fator de base de cálculo. Acrescente-se ainda, quanto ao edifício em si, que se tratava de uma construção localizada atrás do Theatro Municipal e, ainda, muito mais alto do que esse ícone da cultura local, de todas as construções do Município, essa era uma das mais facilmente verificáveis até mesmo a olho nu”, escreveu.
O secretário municipal de Planejamento Urbano Washington Fajardo fez uma postagem nas redes sociais criticando a decisão. “Absurdo total. Pra que serve responsável técnico então? O prejuízo da imperícia privada é resolvido com o ônus público?”, questionou.
O prefeito Eduardo Paes também se manifestou reiterando a indagação. “Queremos os governos dentro de nossas casas fiscalizando o que fazemos com as colunas de sustentação de nossos prédios? A prefeitura nunca terá como saber o que as pessoas fazem dentro de suas propriedades. Poder público não é babá. E não houve qualquer denúncia. Temos que mudar essa cultura de tudo ser responsabilidade de governo”, escreveu.
A Defensoria Pública buscava a responsabilização não apenas do município, mas também da empresa TO Brasil Ltda, que ocupava cinco andares do edifício. Ela foi apontada como responsável por ter realizado obras sem licença e ter removido uma parede no 9º pavimento sem acompanhamento de um engenheiro. Segundo a Defensoria Pública, a intervenção levou ao desabamento.
No entanto, a juíza não acatou a tese, afastando a culpa da empresa e a deixando de fora da obrigação de pagar as pensões. Segundo ela, o perito constatou que a retirada da parede não teria o condão de desestabilizar o edifício.
A TO Brasil Ltda chegou se manifestou nos autos sustentando que o desabamento teria ocorrido por um conjunto de fatores: sobrepeso gerado pelo acréscimo de andares sem autorização, inclinação do prédio em decorrência das obras subterrâneas realizadas pelo metrô e falta de manutenção por parte de Paulo Renha, síndico que veio a falecer dois anos após a tragédia.
A Defensoria Pública pretende recorrer e insistirá na responsabilidade da TO Brasil Ltda. Em nota, ela manifesta discordância da decisão tomada pela juíza e afirma que há provas suficientes de que o desabamento foi resultado da obra realizada pela empresa.
“Segundo as perícias realizadas pelo Congresso Brasileiro de Engenharia de Avaliações e Perícias (Cobreap), em 2014, a causa única da ruína do prédio seria justamente a supressão de pilares estruturais do 9º pavimento do edifício, devido a uma mudança de layout proposta pela empresa ocupante. Os documentos apontam falhas no processo de reforma, entre elas, a falta de fiscalização das obras por parte do município do Rio e a falta de profissionais habilitados para a reformulação do andar”, diz o texto.