“Pra não dizer que não falei das flores…”.
Opinião do professor Marco Aurélio
O historiador Leandro Karnal, em diálogo com o ator Lázaro Ramos, deu uma entrevista belíssima na Rede TV Brasil.
Destaco uma parte da fala do professor:
“Eu insisto e tenho dito sistematicamente, não existe governo corrupto e nação ética e não existe nação corrupta com governo transparente e democrático. Sempre entre governo e nação há um jogo. Em nações onde o trânsito funciona, como na Suécia e nações onde se paga os impostos mais corretamente, em geral nessas nações o governo é mais transparente. Eu acho que a corrupção é um mal social, é um mal coletivo e não apenas do governo.
Como disse aquela primeira vez que você citou, eu seria muito feliz se todo o problema estivesse concentrado num partido. Pois bem, este partido não está mais no poder neste momento e as denuncias de corrupção continuam. Então vamos afastar o outro partido também, você acha que isso nos conduziria ao paraíso? Ou que antes de antes da existência deste partido e destas pessoas, aqui era terra de gente experimentada na honestidade? Eu vejo corrupção no trânsito, eu vejo corrupção no dia a dia. E como professor, faz 33 anos que eu recebo atestado médicos falso de aluno que perdeu prova. Então, é o governo que está em jogo ou é um comportamento social do qual o governo também faz parte?”
Acho essa fala do historiador Leandro Karnal fantástica. Expõe nossas feridas como sociedade. Revela nossa incapacidade de nos transformar eticamente de forma definitiva. A gente vê esse jeito de se comportar coletivamente todos os dias nas redes sociais. São milhares de pessoas se ofendendo e ao mesmo tempo revelando suas visões ideológicas de nação. O Brasil da intolerância às diferenças politicas, religiosas e sociais.
A redação do ENEM
A redação do ENEM de ontem propôs abordar a intolerância religiosa no Brasil. Acho impossível descolar o tema da questão social. As duas coisas andam juntas. Intolerância religiosa anda junto com a velha/nova intolerância entre as classes sociais no Brasil.
Em 2015/2016, esse antagonismo cresceu muito. E, pior, muitos pela vontade de mudar, e por não saberem como foi a Ditadura Miliar, passaram a defender políticos conservadores, mudanças conservadoras na Constituição e o fim do debate ideológico. Um dos exemplos mais tristes é a defesa da Escola Sem Partido. Como se o ensino fosse algo a ser pensado como um aparelho sem viés ideológico, sem relação com a sociedade onde está inserida ou nas diferentes regiões desse país, “ficar de frente para o mar e de costas o Brasil, não vai fazer desse lugar um bom país…”, canta Milton Nascimento na música “O Brasil não é só litoral”.
A mesma análise serve para a religião, o pensamento intelectual e científico, a mídia, a arte e até a literatura. Há diferenças e temos que aprender a conviver com elas. Gênero e sexualidade são concepções absolutamente diferentes. Opções religiosas e partidárias também. Agora, a ética deve fazer parte da conduta de todos, sem intolerância, pois a ética nos conduz à democracia, à transparência, à cidadania, ao fim da corrupção e principalmente à convivência coletiva com tolerância entre todos: governos e sociedade. Ah, aqui no Brasil estamos na primavera, estação das flores. Na Europa é inverno.
Marco Aurélio Rodrigues Freitas é jornalista e professor das redes municipal e estadual de São Paulo. Escreve suas crônicas todas as semanas no Planeta Osasco.