Google Brasil e a manipulação do varejo digital: um caso de abuso de poder algorítmico

Em junho de 2024, uma pequena empresa sediada em Osasco preparava o lançamento de centenas de produtos físicos no mercado brasileiro. O modelo era simples e promissor: produtos de baixo valor — como artesanato regional — apoiados por uma rede de fornecedores locais e internacionais, com tráfego direcionado ao site por meio das mesmas ferramentas usadas por gigantes do setor como AliExpress, Mercado Livre, Magazine Luiza e Casas Bahia.
A principal dessas ferramentas é o Google Merchant Center com Google Ads, serviço do próprio Google que permite exibir produtos nos resultados de busca e anúncios. Tudo estava configurado. Horas de trabalho, recursos investidos, e o plano começava a tomar forma. Até que, sem qualquer aviso prévio, o Google Brasil bloqueou as contas da empresa, alegando meramente “afirmações falsas”.
O empreendedor responsável, acreditando se tratar de um erro, solicitou revisão imediata. Após 15 dias de silêncio, o retorno foi uma negativa sem explicação clara. Em nova tentativa de apelação, o processo foi reiniciado — mais 15 dias de espera. E assim seguiram-se sete meses de bloqueio, culminando em uma resposta definitiva: a decisão era “permanente e irrevogável”.
Mas afinal, quais alegações falsas teriam sido feitas? O Google não especificou. Nenhum print, link ou evidência foi apresentado. A acusação era genérica, abstrata e impossível de contestar. Era literalmente uma mentira criada para bloquear.
A reviravolta ocorreu quando a empresa notificou o Google extrajudicialmente. Subitamente, a decisão “irrevogável” foi revertida — sem qualquer justificativa ou aviso. As contas foram restauradas. E mais: o Google Brasil editou manualmente dados das contas vinculadas, criando confusão entre perfis distintos, como se fossem três empresas diferentes. Na prática, era apenas uma. A mentira tinha sido descoberta.
O caso expõe uma prática preocupante: o uso do poder algorítmico e estrutural do Google Brasil pode desestabilizar pequenos concorrentes. A ausência de critérios claros, a assimetria no tratamento dado a grandes e pequenas empresas, e a falta de transparência no “leilão” de anúncios do Google Ads apontam para uma atuação que ultrapassa a zona cinzenta da ética empresarial.
Não se trata apenas de uma falha pontual. Trata-se de interferência direta no ecossistema do varejo digital brasileiro. O Google oferece suporte humano às grandes varejistas, enquanto pequenas e médias empresas enfrentam sistemas automatizados impenetráveis, decisões arbitrárias e recursos inexistentes.
No longo prazo, essa desigualdade se transforma em um ataque silencioso à economia popular. O Google Brasil, ao favorecer os grandes, manipula a política de preços, restringe a concorrência e distorce o acesso ao mercado — impactando diretamente o bolso do consumidor final.
A pergunta que fica é: até quando o Brasil permitirá que uma big tech atue como árbitro invisível e inquestionável do comércio eletrônico nacional?
A pequena empresa de Osasco decidiu que vai judicializar o caso em busca de reparação, mas, para além disso, também dará publicidade à situação. Trata-se de uma verdadeira luta de Davi contra Golias. O objetivo agora é encontrar outros varejistas de menor porte que tenham sido prejudicados por práticas semelhantes, além de notificar parlamentares brasileiros, acionar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e o Ministério Público. A disputa não é apenas por justiça individual, mas por transparência e igualdade no ambiente digital brasileiro.
Fábio Coelho, presidente do Google Brasil, ao ser notificado sobre a situação, recorreu a um escritório de advocacia externo, o LBCA –Lee, Brock, Camargo Advogados, que limitou-se a emitir respostas genéricas, dizendo apenas que -entre outro argumento, “os termos de uso são esses”. O escritório sequer responde diretamente sobre o assunto, criando mais uma camada de dificuldade na apuração.
Diante da gravidade do caso, fica difícil acreditar que o presidente do Google Brasil desconheça tais práticas, que impactam diretamente a economia e a concorrência no país. O que se vê é uma estrutura que favorece os grandes, prejudica os pequenos e se esconde atrás de burocracias, perpetuadas pela inação institucional de muitos brasileiros em posição de poder.
Caso tem potencial de abrir a caixa-preta
O que Fábio Coelho e o Google Brasil talvez não soubessem é que a empresa afetada por essa decisão arbitrária não recuaria. Foi fundada por um jornalista investigativo que acionou um processo rigoroso de apuração para compreender, em profundidade, os bastidores das práticas da gigante norte-americana no país. À medida que os indícios de um possível atentado à economia popular se acumulavam, a investigação passou de um caso isolado para uma questão de interesse público. Seria exagero dizer que os preços no e-commerce brasileiro são manipulados por uma entidade invisível? O que se desenha é um cenário em que o Google Brasil, por meio de seu sistema opaco, pode estar influenciando diretamente o custo de vida dos brasileiros — pressionando a inflação e lucrando bilhões em um mercado desequilibrado e desigual.
O Google Brasil é uma máquina poderosa, infiltrada nas estruturas da elite econômica nacional, e operando sob orientação direta da matriz internacional. Em um país que possui limitações institucionais sérias para fiscalizar empresas de tecnologia, a atuação da gigante se torna uma verdadeira caixa-preta. Dos servidores na nuvem ao controle dos pagamentos digitais, passando pela mediação da opinião pública via youtubers, o Google exerce um poder desproporcional e pouco auditável.
E esse comportamento se repete em diversas áreas. Na plataforma YouTube, por exemplo, criadores de conteúdo alegam constantes censuras, muitas vezes impedidos de monetizar seus vídeos por utilizarem termos considerados “sensíveis” — como “nazismo”, “Hitler” ou “11 de setembro” — mesmo em contextos históricos e educativos.
Ao mesmo tempo, a empresa exibe e monetiza resultados de sites de pirataria, inclusive lucrando com os anúncios veiculados nas páginas de resultados que exibem esse tipo de conteúdo.
A lógica parece ser: se for para o dinheiro entrar, vale tudo; se for para sair, há uma infinidade de regras e punições opacas.
Essas práticas, que vão muito além do comércio eletrônico, ameaçam a diversidade, a concorrência e a liberdade de expressão no país. Nos próximos meses, será imprescindível que sociedade civil, legisladores e órgãos de controle estejam atentos e dispostos a confrontar esse modelo que favorece os grandes, penaliza os pequenos e mina os pilares de uma internet livre e justa.
Ao contrário das redes sociais da Meta — jardins murados com regras relativamente claras — o Google atua de maneira mais opaca e penetrante, influenciando setores inteiros da vida digital sem que a maioria sequer perceba. Seus algoritmos, decisões automatizadas e monopólios silenciosos moldam preços, vozes e acessos. Chegou a hora da sociedade civil, mídia e instituições compreenderem a extensão desse poder e exigirem transparência, equilíbrio e responsabilidade.
Notas
O PlanetaOsasco optou por descontinuar, a partir de março de 2025, o uso de qualquer ferramenta vinculada ao ecossistema do Google.
Empresa citada nesse conteúdo deixou de utilizar o Merchant Center.
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