Opinião do Professor Marco Aurélio
Minha avó Tolentina era uma índia gaúcha Nonoai brava, que viveu com o meu avô português José Coelho até a sua morte. Nunca casaram, viveram – como falamos hoje – uma união estável. Tiveram juntos quatro filhos: Albertina, minha mãe, Rosalina, Dinah e o tio Afonso. As filhas tinham o sobrenome de Rodrigues e o tio Afonso o sobrenome Coelho, o sobrenome de meu avô. Todos já não estão mais aqui com a gente, mais sei que se não fosse meu tio partilhar a propriedade com as irmãs, a divisão da chácara em Pelotas não teria acontecido, após o falecimento de meu avô. No fim do processo, cada um dos filhos ficou com 25% do terreno da chácara, que foi dividida entre os quatro filhos.
O Brasil tem quase 900 mil índios espalhados pelo Brasil, segundo o IBGE. Nossos índios eram mais de 5 milhões, quando os portugueses chegaram por aqui em 1500. Ainda segundo o instituto, 36,2% dos indígenas vivem em área urbana e 63,8% na área rural. Distribuídos pelo país, as populações indígenas sofrem com o avanço da modelo capitalista brasileiro, que não respeita culturas e aumentou sua agressividade depois que o governo Temer chegou ao poder através da manobra do impeachment.
Na semana da Greve Geral, de 24 a 28 de abril passado, os índios brasileiros manifestaram-se em todo o Brasil. Em São Paulo, os índios da reserva do Pico do Jaraguá em São Paulo, bloquearam a estrada Anhanguera para protestar contra a famigerada Reforma da Previdência do Temer e do ministro Henrique Meirelles. Ironicamente, a rodovia recebe o nome dado pelos índios ao bandeirante Bartolomeu Dias, que os enganou fazendo fogo numa botija de pinga e ameaçar colocar fogo na mata e nos rios, e que por isso recebeu dos índios esse nome: Anhanguera, que quer dizer Diabo Velho.
No dia 30 de abril, os índios Gamela foram atacados por fazendeiros no Maranhão por disputa de terras. Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) o atentado contra os índios Gamela deixou 13 feridos e dois deles tiveram as mãos decepadas. E o governo, com a combalida FUNAI não fez nada até agora. A cena me lembrou os Anos de Chumbo, quando povos indígenas eram eliminados e suas mortes eram silenciadas, pois os generais tinham medo das repercussões internacionais. Os irmãos Vilas Boas, de personagens escolhidos para integrar a cultura indígena ao capitalismo brasileiro, foram se apaixonando pela cultura dos nossos nativos e assim passando a defender integralmente uma cultura tão linda e tão rica como as das nossas 305 etnias e seus 274 idiomas.
Nos anos 70, minha avó gostava de sentar, diariamente, na sombra do cinamomo no quintal da casa em Porto Alegre e pentear seus longos cabelos grisalhos. Hoje, vejo que, mesmo sem entender, ela fazia com gesto – uma atitude de resistência ao modelo da Ditadura Brasileira, que chamava os índios de silvícolas e queria a riqueza de suas terras, para fazer o desenvolvimento do AME OU DEIXE-O no Brasil dos militares.
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Marco Aurélio Rodrigues Freitas é biomédico, historiador, jornalista e professor das redes municipal e estadual de São Paulo. Escreve todas as semanas no site Planeta Osasco.