Opinião do Professor Marco Aurélio – Quem é mais violento, o governo, com suas políticas econômicas e o tratamento que dá à saúde, educação e segurança ou o povo, com suas manifestações de resistência nas ruas? Afinal, qual o sentido ideológico do que chamamos de violência na sociedade?
Acompanhei todas as notícias sobre o dia 24 de maio passado em Brasília e no Brasil, como qualquer brasileiro. Ouvi de colegas professores e jornalistas que aquela agressividade dos manifestantes não poderia acontecer. Afinal, os prédios atingidos pelos manifestantes foram construídos com o nosso dinheiro.
Ouvi e li diversos jornalistas condenando as ações dos manifestantes. Miriam Leitão, Carlos Alberto Sardenberg, Nerval Pereira, articulistas da Folha, do Globo, do Estadão e outros. Embora, dissessem entender as razões dos manifestantes. Condenaram, também, as manifestações que atacaram símbolos do poder em todo o Brasil. Como preciso de mais questões, para mim e para meus alunos, pergunto:
Quando um prefeito diz lançar um concurso público e o edital estabelece que o magistério de ensino médio seja o único curso exigido para professoras e professores de EMEI. Esquecendo que as professoras da rede municipal já são – em sua maioria absoluta – pedagogas e que o PNE prevê que todos os professores de educação básica tenham formação superior em pedagogia até 2020, deixando claro que o objetivo é não aumentar salários e discriminar educadores das EMEIS diante das EMEFS. Isso não é um gesto de violência contra professoras, professores e as famílias?
Quando o prefeito e o governador de São Paulo acreditam que mil soldados da polícia civil e militar vão acabar com a Cracolândia de um dia para o outro, sem sensibilidade para ouvir todos os envolvidos no drama que existe há décadas na capital. Não é violência os governos deixarem seres humanos viverem nessas condições por décadas? Não é um gesto de violência contra a população?
Quando um governador transforma a escola pública em depósitos de alunos, deixa os professores do maior estado do país sem aumento por quase sete anos e não respeita o PNE. Não é um gesto de violência contra o povo, professoras e professores?
Quando um cidadão vai até um posto de saúde ou a um hospital público e espera horas para ser atendido e – muitas vezes – não ser atendido. Não é um gesto de violência contra o povo?
Quando uma mãe procura uma vaga em creche e não encontra. Não é um gesto de violência contra o povo?
Quando o governo diz para você: agora seu tempo de trabalho para aposentar será de 40 anos, mas a dívida da previdência dos empresários e banqueiros fica para depois. Não é um gesto de violência contra o povo?
Quando o governo diz para você: agora sua aposentadoria será depois dos 65 anos e das mulheres depois dos 60 anos. Não é um gesto de violência contra o povo?
Quando o governo diz pra você: precisamos congelar os gastos com saúde e educação durante vinte anos e ponto final. Não é um gesto de violência contra o povo?
Quando, a política saudosa da Ditadura Militar se utiliza da grande mídia para “convencer” a população que a recessão acabou e que nossa economia vai voltar a crescer este ano. Não é um gesto de violência contra o povo?
Quando Trump diz ao mundo que os EUA não vai mais seguir o acordo climático de Paris. Não é uma violência contra a inteligência do mundo?
Com tantas perguntas, podemos dizer que a violência é um gesto ideológico, mesmo quando se manifesta individualmente. A violência sempre revela um contexto. A violência de quem ocupa o poder é sempre opressora e maior que a manifestação de um povo cansado de discriminações, perseguições e tanta injustiça, e muitas vezes sem voz, como na época da Ditadura Militar.
No Brasil e em países parecidos com o nosso, todos que lutam por dias melhores só tem como recurso sair às ruas e dizer não. Como faziam os mineiros na derrama do século XVIII, como faziam os indianos contra os ingleses ou como fizeram os brasileiros que lutaram contra os militares nos anos 70, conquistando a anistia em 1978 e as eleições diretas em 1989.
Essas perguntas lembram o poema de MAIAKÓVSKI, que muitos pensam ser de Brecht e outros conheceram apenas na novela Mulheres Apaixonadas de Manoel Carlos, que em uma de suas estrofes “diz”:
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Trecho do Poema NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI.
Marco Aurélio Rodrigues Freitas é biomédico, historiador, jornalista e professor das redes municipal e estadual de São Paulo. Escreve todas as semanas no site PlanetaOsasco.