Opinião do professor MARCO AURÉLIO
Uma carroça, muito papelão, ruas cheias de gente na época do natal e um país que segrega pessoas.
Na esquina da rua João Crudo com a Marechal Rondon, saindo do Bradesco, cruzei com um homem, que descia a rua em direção ao farol da Antônio Agu com a Marechal Rondon.
Ele empurrava uma carroça cheia de papelão. Pensei, então que poderia conversar com ele e lhe fazer perguntas sobre a vida.
Me aproximei e comecei a conversa:
— Bom dia senhor, sou professor. Negro, alto, físico atlético, olhos brilhantes, olhando pra mim, respondeu:
— bom dia, senhor.
Ao quebrarmos o gelo inicial, falando um pouco da vida de cada um de nós, iniciei minhas perguntas:
— Quanto você recebe por quilo de papelão? Tem muito papelão aí? Qual sua idade? É aposentado? Mora onde?
— recebo R$ 0,30 centavos por quilo. Tenho 74 anos. Sou aposentado sim, completo minha renda recolhendo papelão. Moro em Itapevi.
Durante a conversa, o homem me disse que seu carrinho estava com cerca de 150 quilos, o que vale mais ou menos 45 reais. E disse mais, que se estivesse recolhendo papelões pela cidade, não teria recolhido tanto papelão.
O resultado da carroça cheia era porque ele pegava tudo de uma vez, numa única loja do centro da cidade. Pena, disse ele, que o novo gerente da loja quer acabar com a coleta individualizada para fazer parceria com uma empresa especializada em recolher todo o material, sem a participação de catadores.
É uma empresa que recolhe papelões em muitas cidades. Nesse processo, a loja deixa de gastar dinheiro com pessoas, mas o que a gente percebe é o surgimento de uma relação comercial entre empresas. Provavelmente, a empresa que recolhe os papelões venda o quilo por mais de R$ 2,00 reais. Um lucro e tanto.
Uma perda enorme para os milhares de catadores espalhados por aí. Saí da conversa pensando, como é difícil ser pobre no Brasil. Mesmo com todas as políticas públicas dos últimos anos, como a Bolsa Família, o PROUNE, o FIES, o ENEM, o Ciência sem Fronteiras, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, além de todas as políticas de cotas, que têm levado milhares de jovens mestiços e afrodescendentes a melhorar de vida econômica e socialmente.
Saí com a impressão que, apesar de todos os nossos esforços, para acabar com a Ditadura Militar e trazer o Brasil de volta à democracia, ainda não conseguimos reduzir como deveríamos a miséria do país.
Como canta Caetano Veloso, “O Haiti é aqui” Nossa elite não quer que as coisas melhorem por aqui. Por aqui, a culpa do que não dá certo é sempre do trabalhador. E tirar direitos é uma obsessão do velho Centrão que hoje voltou a ocupar o centro da política brasileira. Destruir meio ambiente e impedir a eleição de políticos progressistas também são obsessões desse grupo político.
O catador que eu encontrei, sem querer, é o retrato que querem manter no Brasil. 74 anos, aposentado mas catando papel para completar uma renda insuficiente. Mesmo forte, precisa andar por toda a cidade em busca de R$ 0,30 centavos por quilo de papelão.
Marco Aurélio Rodrigues Freitas é jornalista, biomédico, historiador e professor das redes municipal de estadual de São Paulo. Escreve todas as semanas no site Planeta Osasco.