Opinião do professor MARCO AURÉLIO
Ouvi no Sala de Música/CBN semana passada, o seguinte depoimento de João Marcelo Bôscoli, que sua mãe – Elis Regina – costumava dizer a ele: “filho, a música brasileira é uma mesa com quatro pernas, e uma delas é Caetano Veloso. Se tirarmos a perna Caetano, a mesa não fica em pé”.
Depois de achar genial a metáfora da Elis, pensei que a gente poderia pensar o Brasil da mesma forma: uma mesa com quatro pernas. De 1988 para cá, as quatro pernas podem ser estas: superávit primário, políticas compensatórias, educação para todos e desenvolvimento sustentável. A ausência de qualquer uma delas derruba a mesa do “Brasil contemporâneo”.
Nos anos 70, a Ditadura tirou do cenário o jornalista Vladimir Herzog. Tirou um pé da mesa e o regime militar começou a cair. Nas eleições de 1988, os Arenosos e o Centrão tinham medo que Brizola e LULA fossem dois pés da mesa e não queriam nenhum deles no segundo turno. LULA foi para o segundo turno, Fizeram Collor ganhar a eleição, mas a mesa não ficou em pé. Deu no que deu. O fim da história, nós sabemos.
Atualmente, O Brasil procura outra mesa com outras quatro pernas, todas atrasadas como fez a Ditadura Militar de 1964 a 1985: política social excludente, destruição da Constituição de 1988, fim das políticas compensatórias, educação para poucos e até uma quinta perna (as receitas econômicas do FMI). Esse processo representa uma desconstrução de tudo que construímos juntos na mesa do país nos últimos 30 anos.
Vivemos, desde 2016, sob o domínio do Centrão, que perdeu o debate no Congresso Constituinte, perdeu todas as eleições seguintes e que chegou ao poder numa manobra parlamentar para tirar uma Presidente eleita. Devolvendo privilégios para os mais ricos e organizando uma mesa para poucos.
Nas últimas semanas, o povo brasileiro tem visto os novos/velhos pés da mesa da elite: queda do salário mínimo, volta da agenda do Consenso de Washington, congelamento dos gastos sociais, mudança constitucional para terminar com regras como as da Lei de Responsabilidade Fiscal, crise na Segurança Pública Nacional, Crise no SUS, fim de incentivos à Ciência e Educação, retrocesso na Política Ambiental, Reforma Trabalhista, Reforma da Previdência e transformação do Congresso Nacional em balcão de acordos espúrios. São pernas de uma mesa onde não cabe o povo brasileiro.
Por isso, todas as pesquisas de opinião revelam a escolha do povo pelo ex-presidente LULA. O povo quer sentar na mesa também, por isso o resultado das pesquisas é este; nem mesmo a união entre os desejos da grande mídia, do mercado e do jurídico conseguem mudar o desejo popular.
Aproveito para dizer que a passagem de Heitor Cony no sábado de madrugada, que estava com 91 anos, mostra uma perna tirada da mesa no jornalismo nacional. Resta saber se essa mesa vai ficar em pé daqui para a frente. Vamos ver.
Termino minha crônica reproduzindo uma frase do livro Quase Memória de Carlos Heitor Cony, creditada ao seu pai, que dizia todas as noites antes de dormir: “Amanhã farei grandes coisas”.
Carlos Heitor Cony na Academia Brasileira de Letras.
Marco Aurélio Rodrigues Freitas é jornalista, biomédico, historiador e professor das redes municipal e estadual de São Paulo. Escreve todas as semanas no site Planeta Osasco.