Universidade catalã participa de apuração da tragédia de Brumadinho
Um trabalho de modelagem e simulação por computador para identificar as causas do rompimento da barragem B1 Vale, na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), será realizado pela Universidade Politécnica da Catalunha, sediada em Barcelona, na Espanha. O contrato foi celebrado com a instituição estrangeira, como parte de um acordo firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e a mineradora.
A barragem se rompeu no dia 25 de janeiro deste ano, liberando uma avalanche de lama que destruiu comunidades e poluiu o Rio Paraopeba. Desde então, 256 corpos já foram localizados e 14 pessoas ainda estão desaparecidas. Responsabilidades já foram apontadas em relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), instaladas no Senado, na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e nas Câmaras dos Vereadores de Brumadinho e Belo Horizonte. Os documentos foram encaminhados para órgãos públicos como os ministérios públicos Federal de Minas Gerais (MPMG), que têm a atribuição de formular denúncias à Justiça.
De outro lado, investigações conduzidas pela Polícia Federal ainda estão em andamento. Em setembro, foi anunciado o desmembramento dos trabalhos e 13 pessoas foram indiciadas por falsidade ideológica e uso de documentos falsos. Prossegue a apuração de crimes ambientais e contra a vida.
Tanto a PF como o MPF querem esclarecer qual foi o gatilho da liquefação, isto é, o que fez com que o rejeito, que estava sólido dentro da barragem, se convertesse em fluido. A expectativa é de que os trabalhos da universidade catalã ofereçam respostas que elucidem essa questão.
Instituição
A escolha instituição estrangeira para auxiliar as investigações foi exclusiva do MPF, com o apoio da Polícia Federal. A Vale assumiu o compromisso de arcar com os custos da contratação. Os trabalhos serão supervisionados por consultores técnicos independentes, um deles internacional. Peritos do MPF e da Polícia Federal também irão acompanhar a execução do serviço.
“As premissas básicas que orientaram a busca de instituições com expertise internacional para o desenvolvimento dos trabalhos foram a detenção da inquestionável capacidade técnica e a ausência de potencial conflito de interesse relacionado a organizações ligadas à Vale S/A, aspecto fundamental para a apreciação isenta a respeito das circunstâncias do evento sob investigação”, informou o MPF.
Apuração
Os relatórios das CPIs que investigaram a tragédia já são públicos. A primeira comissão a concluir os trabalhos foi a do Senado, que pediu, em julho, o indiciamento de 14 pessoas pelo crime de homicídio com dolo eventual. A Vale e a Tüv Süd, empresa que atestou a estabilidade da barragem, também foram indiciadas. Além disso, foram sugeridos três novos projetos de lei.
O legislativo de Brumadinho também apurou responsabilidades pelo rompimento.
A CPI da Câmara dos Vereadores da cidade aprovou relatório no início de agosto, o qual registra ser “inegável a constatação elementar de que houve negligência, imprudência e imperícia, seja nas fases de construção, alteamento ou de monitoramento da Barragem 1 da Mina Feijão, o que nos leva atribuir à mineradora Vale a responsabilidade direta pela carnificina que promoveu em nossa cidade no terrível dia 25 de janeiro de 2019”.
O documento, porém, não elenca pessoas físicas como culpadas. De outro lado, sugere revisão da legislação ambiental federal e estadual, atualização do plano diretor do município e a capacitação de servidores públicos da área ambiental.
A CPI criada pela Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte investigou o impacto da tragédia na segurança hídrica da capital, já que o Rio Paraopeba abastecia parte da população. O relatório, aprovado por unanimidade em agosto, pediu o indiciamento da Vale.
Paralelamente, a Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável por fiscalizar o setor minerário, realizou uma avaliação técnica que apontou ao menos cinco inconsistências entre as informações prestadas pela Vale ao longo de 2018 e a situação verificada após a tragédia em Brumadinho. No início desse mês, um relatório de 194 páginas foi apresentado e encaminhado à Polícia Federal, à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao MPF.
Trabalho estendido
As CPIs de Minas Gerais e da Câmara dos Deputados foram as que mais estenderam seus trabalhos, que resultaram em relatórios densos. O documento aprovado pelos deputados estaduais teve mais de 300 páginas e pediu o indiciamento de 13 pessoas por homicídio e lesão corporal com dolo eventual, entre outros crimes. Entre suas conclusões, ele aponta que a assembleia foi subnotificada pela Vale em um episódio de fraturamento hidráulico na tentativa de instalação de 30 drenos horizontais profundos para retirar excesso de água da parte inferior da barragem.
A instalação dos equipamentos havia sido recomendada pela Tüv Süd. De acordo com o relatório, se a Vale houvesse notificado a ANM, a estrutura poderia ter sido interditada.
O relatório apontou ainda que a Vale sabia dos riscos e, mesmo assim, deixou de adotar as medidas necessárias para evitar a ruptura da estrutura. Foi apurado que o fator de segurança levado em conta no laudo de estabilidade estava abaixo do recomendado por órgãos internacionais e do adotado em outras barragens da própria mineradora.
A barragem se rompeu no dia 25 de janeiro deste ano, liberando uma avalanche de lama – REUTERS/Washington Alves/Direitos Reservados
O documento registra ainda a realização de detonação de explosivos no segundo semestre do ano passado, o que estaria em desacordo com recomendações de auditorias realizadas em junho e setembro de 2018. Outro fator que teria ocasionado o grande número de mortos é a manutenção de funcionários em prédios administrativos situados abaixo da barragem, em área que seria sabidamente passível de inundaçã em caso de ruptura.
Outras recomendações foram apresentadas à ANM, para que sejam revistos direitos ou títulos minerários da Vale, e à própria Assembleia de Minas, para que sejam elaborados projetos de lei estimulando a adoção de tecnologias alternativas para destinação de rejeitos à seco e ampliando a arrecadação da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades Minerárias (TRFM).
Também foi defendida a aprovação do Projeto de Lei 1.200/2015, que institui a Política Estadual de Apoio às Comunidades Atingidas pela Construção de Barragens.
Condições para o rompimento
A última CPI a concluir seus trabalhos foi a da Câmara dos Deputados, cujo relatório aprovado no início desse mês pediu o indiciamento da Vale, da Tüv Süd e de mais 22 pessoas das duas empresas por homicídio doloso, lesão corporal dolosa e poluição ambiental por rejeitos minerais com sérios danos à saúde humana e ao meio ambiente, além de destruição de área florestal considerada de preservação permanente. Conforme o documento, há elementos para que dizer que a barragem apresentava condições de se romper devido a quatro processos: galgamento, erosão interna e cisalhamento tanto da condição drenada como da condição não drenada.
Os deputados federais reiteraram diversas conclusões obtidas na ALMG. Observaram ainda que o licenciamento ambiental que permitiu expandir a Mina Córrego do Feijão e dar continuidade às operações na barragem ocorreu de forma fraudulenta já que teria havido omissão de informações pela Vale. As licenças foram emitidas pelo governo mineiro em 12 de dezembro de 2018. No entanto, contratada pela mineradora, a Tüv Süd estava trabalhando desde agosto de 2018 em uma proposta de descomissionamento da barragem e, conforme os prazos apresentados, um projeto não ficaria pronto antes de agosto de 2019.
“A licença ambiental que englobava o aproveitamento de rejeito da barragem B1 foi emitida sem que a empresa tivesse detalhado todo o projeto de descomissionamento e baseada em um EIA [Estudo de Impacto Ambiental] defasado, de 2014, que não continha as informações atuais da barragem e do projeto de descomissionamento da estrutura que englobava a retirada de rejeito”, registra o relatório.
O documento reúne ainda e-mails internos da Vale onde se registra uma ordem de paralisação da barragem em junho de 2016 para execução de “medidas de reforço” e defende que funcionários da mineradora poderiam e deveriam ter agido para evitar a tragédia. Nas conclusões, é defendida a aprovação de três projetos de lei, que tratam do direito das populações atingidas por barragens, de mudanças na política nacional de segurança de barragens e do reforço das ações de defesa civil antes do início dos empreendimentos de mineração.
A CPI da Câmara dos Deputados chegou a convocar o presidente afastado da Vale, Fabio Schvartsman, para uma sessão em junho. No entanto, dias antes ele obteve o direito de não comparecer através de um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Duas semanas depois, uma outra decisão judicial o beneficiou. O ministro Gilmar Mendes, do STF, deferiu liminar para que a quebra de seu sigilo telefônico e telemático pedida pela CPI se limitasse ao período em que ele exerceu o cargo na empresa.
Edição: Maria Claudia