Dia 26 de julho, agora, é o dia dos avós. Dia que homenageia Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus Cristo. Eu já não tenho avós. Na verdade, conheci apenas minha avó materna, que era índia. A vi pela segunda vez nos anos 60, quando ainda era muito pequeno, nem a escola eu frequentava ainda. Minha avó veio de Porto Alegre para São Paulo ver minha mãe, depois de quase dez anos. No mesmo ano, minha mãe me ensinou a escrever, antes de ingressar na escola, e me fazia produzir pequenas cartas para minha avó, enviando-as pelo correio.
Quando vi minha avó subindo as escadas da casa onde morávamos na Autonomistas, me encantei. Ela era alta, magra, pele morena e usava uma saia pregueada azul marinho de tergal, que ia até um pouco abaixo dos joelhos. Na primeira terça-feira que passou conosco, foi à feira e encheu a geladeira de frutas. Achei que ela era rica, muito rica. Afinal, nunca tinha visto a geladeira de minha mãe tão cheia de frutas assim.
Num tempo em que todos agem com a faca nos dentes ou com sangue nos olhos, o dia dos avós pode nos levar a ter como fio condutor a conciliação, o equilíbrio, a compreensão e a ternura. Comportamentos presentes em qualquer avó ou avô, sem nos fazer esquecer nossos ideais Falta tudo isso no Brasil de hoje. .
No clássico livro Casa Grande e Senzala, Gilberto Freire mostra como era a relação patriarcal entre fazendeiros e pessoas pobres do Brasil, com suas mazelas e um analfabetismo idealizado pela elite. Lula morou na Casa Grande por oito anos quando Presidente da República, e incluiu muitos excluídos nela, mas nunca foi querido por uma parte dos donos. Foi sempre discriminado, assim como foram discriminados André Rebouças, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Castro Alves e o escritor Machado de Assis.
Na obra de Debret de 1827, crianças negras comem sobras do jantar de fazendeiros brasileiros. É assim que me sinto em 2017. Com as reformas sonhadas pelo Centrão, elite política saudosa da Ditadura Militar, o brasileiro vai voltar a ficar apenas com os restos do jantar e mais nada.
Podemos ficar revoltados e com razão. Podemos reagir com muita agressividade e com razão. Mas como dia 26 de julho é mais um dia dos avós, podemos fazer do equilíbrio e da capacidade de conciliação o caminho para transformar este país compreender que a cidadania para todos é o melhor modelo a ser seguido. Escolas com banheiros limpos e com assentos, hospitais sem pacientes no corredor, ônibus limpos, sem superlotação e chegando no horário, ruas sem buraco, rios não poluídos, matas preservadas e empresários dando exemplos de postura e de vida podem nos fazer a ser avós de nós mesmos.
Dia 27 de julho, se estivesse aqui, minha filha faria 20 anos. Ana Luiza era uma menina que dava conselhos a mim e aos amigos. Sempre me repreendia quando eu me portava como adolescente na frente daqueles que eu não gostava, dizendo: “pai, mesmo que você não goste deles, faça como minha avó, saiba disfarçar e trata-los com ternura, isso não vai fazer você abrir mão de seus compromissos com o mundo”.
Marco Aurélio Rodrigues Freitas é jornalista, biomédico, historiador e professor das redes municipal e estadual de São Paulo. Escreve todas as semanas no site Planeta Osasco.